quarta-feira, 3 de agosto de 2011


Título: A eternidade dura enquanto há vida e a vida conserva o disparate para ser eterna.
Todas as minhas horas são feitas de jaspe negro
Minhas ânsias todas talhadas num mármore que não há,
Não é alegria nem dor esta dor que me alegro,
E a minha bondade inversa não é nem boa nem má
Fernando Pessoa

Deitado com os lençóis sobre metade do corpo abria e fechava muito lento os olhos a observar o plúmbeo do resto da noite enquanto o sono não vinha, enquanto o cheiro ferruginoso da boca não saia mesmo tendo usado pasta branca quando muito escovara os dentes, enquanto as pessoas continuavam a quer pensar quem ele não era, e no quão em baixo poderia ir sem desvendar como é passear em becos. O jaspe do olho que era verde enegreceu. Se alguém pudesse lhe ver o estado depauperado das suas mãos jogadas com um fina camada de pele branca como porcelana clara cobrindo ossos ainda mais brancos absorvidos num enleio de uma seiva muito branca saída de um ureter na qual a epiderme narra como fora a força momentos antes sobre suas palmas sentido a ardência picante de ressentimentos pelo arroubo de um movimento parado no tempo, vivido numa recordação efêmera, aparecendo e sumindo transitória – pura ilusão reminiscente, puro engano que urge como se pudesse lamber do esperma a eternidade.

Ele chega a sua casa quente na Rua do Descanso número um cinco três com os pais fingindo dormir acordados de olhos fechados desacostumados a vê-lo tardar seu recolhimento noturno, à uma hora e vinte seis minutos, quando antes com a mente impenetrável, resoluta e consciente do que fez, do que acabara fazer: de gastar dinheiro com sexo, inclusive pouco, mas que valera a pena, embora saiba que não e embora, embora seja por isso que sua mente em alguns segundos lúgubres era inacessível quando passara da garagem pra sala negra sem penumbra alguma em que confiasse os passos tateantes, sem quer quebrar algum objeto que estivesse em seu caminho como as lembranças intratáveis. Isso se não fosse por minúsculos poros por onde algo entrava com dificuldade, mas entrava. Eram os pensamentos de vergonha enrolados aos sentimentos e lembranças que no quesito bem-estar se revelou raso e pela diminuição é que o cérebro ficou espetando a si mesmo por idéias de tortura.
Enquanto não tomar um banho e se deitar para olhar a penumbra do quarto com paredes quando de dia por aberturas aclaradas visse o azul, mas que agora de noite se tornam enegrecidas desde o pôr do sol, desde que haja carência de luz.
A caminho de casa pega o celular correndo por uma avenida fria e longa que dá a impressão por quem passa ligar os pontos finais de repouso e aparição solar diária. Ele pára num posto de gasolina e compra duas barras de cereal. Esta com fome. No local estão apenas uma vendedora no balcão e dois frentistas. Tudo deserto ao redor, todas as casas trancadas. Assim que paga o que acabava de comprar entra novamente no carro deslizando pelo preto do chão. Liga pro irmão perguntado se ele pode se levantar para abrir o portão da garagem. O irmão que não se nega a acordar do sono quem sabe se bom ou não vai solicito.
Dentro de casa ele tirou o jeans pela terceira vez naquela noite rápida e com cuidado tentando não mais incomodar ninguém, tentando não fazer barulho pros outros que não sabiam do furacão ventaneando fios faiscantes, azulados, azul de frio, de gelo, que tentava explodir, que ele tentou desde o momento em que ouvira a porta do carro bater não derramar lágrimas e sentir que naquele estante novamente ficou sozinho, olhando com a cabeça baixa para si mesmo, para o ventre só.
Ao olhar o garoto sair pra pegar mais alguém como ele, igual a ele, pobre como ele, mas agora dentro de uma casa muito aburguesada, como ele própio, se sentiu como se sempre esteve nu e tomara o banho ainda com fleches de luz ou raios de sombra sobre a mente que ia aos poucos lembrando o que fez, enquanto passava o sabonete no corpo. É do homem a dor cantarolou lembrando da música que escutou no início e da vida o que é? Se  perguntou depois. E o que faria dali pra frente vendo que ainda persistia? Que ainda ele estava ali? Como sairia dali? Do mesmo jeito que foi veio, da mesma forma? Ou ficara lerdo e não perceber que algo mudou... Algo mudou? O que mudou? Mas o que mudou não queira que mudasse ou o que ele queria que mudasse que não mudou? Se mudou a mudança foi pouca, o que significa que em nada se tornou e, portanto ele persiste ainda firme e só.



2 comentários:

Eliane Accioly disse...

Nossa, é forte a imagem da foto.
Não precisamos ter rosto.
Aliás, não temos.
Estou seguindo 9caminhando) junto com você, seu blog e a vida.

Giovani Iemini disse...

interessante.