quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

passam das duas e me sinto mal, só, mal e só, olhando aquela vida também só.

Yn e Yang

A avó subira cansada daquela vida na viatura acompanhada de seu filho solicito, os dois apresentavam uma aparência grotesca. Era um rosto humilhado com olhos enlameados o do filho sério com a boca magra em silêncio vendo a formação dura da vida que lhes trouxera até ali correr pelo esgoto de raiva frente ao olhar molhado do outro, do neto que chorara anteriormente por se negar as ordens dos dois policiais e por sentir deles a revolta de ver a velha avó esmagada de dor sem proteção contra aquela juventude entregue a pedra mortífera do craque. A avó não mais queria o neto menor de treze anos. Ela fora quem lhe cuidou desde pequeno quando a mãe fugira e quando o seu pai, o outro filho Antonio, fora morto na prisão. O neto à medida que crescia soubera da rejeição da mãe e do fim do pai quando numa briga levara facadas na sela dentro do presídio por dívidas de drogas e lá ele derramara todo o seu sangue bem dentro de seu mundo e fora isso que a vida lhe deu no fim: facadas, seguindo assim o filho o seu caminho, O que se faz frente ao perigo de nascer, frente ao prazer de morte que se tem quando se fuma e queima nefasta a pedra branca e límpida, leve e preciosa, nebulosa e assassina, que faz o homem inerte, que fez o neto ladrão da avó aposentada, pisoteando-a. E é assim que vivi com todos os seus instintos cingidos num novelo parado e oco de maldade. O neto assim como o pai morto na prisão pelo craque seguia em frente e dele se tornara dependente.

Numa crise de abstinência ameaçara a avó naquela noite de sábado e ao tio, iria lhes tirar a vida pra ter dinheiro, como se sua vida fosse apenas o instante da queima de sua significância apodrecida com os dedos trêmulos manejando aduncos a massa clara dentro do cachimbo para viver. Sua vida era essa, disse à avó com sua voz úmida e suas lágrimas de desespero ao escutar do neto que não adiantava ela ir contra sua vida, pois que essa lhe impulsionava para mais e mais adiante e que fosse diante de sua escolha que ele pudesse ver algum horizonte desconhecido, uma escolha que se mostrava cada vez mais impossível de não acontecer, uma escolha e um caminho unido e traçado por maldade que ele seguia, um horizonte que poderia ser crepuscular, amarelo e cheio de penumbras coloridas ou uma praia na escuridão da madrugada, ventando forte e frio por um estirão de lama vermelha de sangue com a noite lunar.

Eu olhava aquele corpo moreno, de cabelo liso e me imaginava em seu estado de ira, me imaginava entregue a auto-aniquilação, e somos parecidos, vivemos parecidos. Ele se jacta que escolhera a vida, eu nunca pude escolhê-la, sempre fora eu quem me dobrara e inflamara os joelhos em sua presença, nossa semelhança se dá no fim, se dá na forma como aceitamos o fim.
As horas vão passando, já passam das doze, já chegamos a delegacia, as partes foram ouvidas, a avó não tem coragem de olhar o neto sentado e aprisionado por algemas, o tio conta como sofrera, a avó conta como não mais agüenta não ter paz, todos assinam, eu juntamente com o menor ficamos esperando o veiculo que nos levará ao IML para que lá seja feita o corpo de delito, a avó e o tio decidem ir para casa, não os vejo sair.
Continuamos esperando o veiculo, passam das duas e me sinto mal, só, mal e só, olhando aquela vida também só. Permaneço só – sem – apenas sem. É esse o meu estado. É assim que me apresento – sem. Já passa das quinze e sem eu vou. É pelo meu estado que vou, é pelo sem que mergulho em mim, por ele, pelo sem que continuo, que vou sob quem sou, sem, apenas.
Se tivesse um dicionário, mergulharia, pegaria essa palavra, essa que flutuar no vazio e que não mais me faz. Sem faz parte do jogo suponho, do que não vem, do que não ouço, do que não toco e nem sinto, mas quando sinto, o sentir se faz só, pulsante e só. Sou eternamente o sentir sobre por quem jogo, és uma razão. Absorvo o bem atraio o mal, mas não sou barroco e sou uma voz afirma. Embora minha apresentação aqui seja dura Sou languido, embora meu andar seja ereto, usualmente me maneio dançarino, embora yn e yang corra por mim como meus sonhos e pensamentos, a vontade que não se realiza, Não se realiza. E não se pode viver eternamente cansado, e se a razão fosse preguiça, se fosse, a razão é outra, outra em que me encontro, um espaço desprovido, um espaço sem, apenas da vida sem.


Da vida nasce o cansaço, da vida sem, é desse cansaço o perigo, porque do sem o esmorecer surge. Que título te dá se nem ao menos sei que é? Que cuidado deverei eu ter para contigo espaço cheio de letras e às vezes sem palavras, pois é quando há um perigo maior, poderia eu deixar-te largado sendo apenas escrito? Mas como deixá-lo se de tuas dobras invaginadas pela pena sinto prazer? E porque sinto tanta necessidade em clamar nesse espaço cheio de palavras? Será que foste criada apenas para meu grito? Tua criação sou eu mesmo? Foste criada para que pessoas como eu não morram? Sugarei para a minha vida inteira forças de ti? Materializada nessa folha seca e fina desenhada por mim, quando me dobro sobre ti sinto minha alma reavivar e de tudo quanto me falares foste cada uma eu mesmo vivido?

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