sexta-feira, 4 de março de 2011

Amar por amar, amar sem esperar algo em troca, amar sempre.

(Mateus 1: 23) Emanuel que quer dizer traduzido: “Conosco Está Deus.”




Acordei-me tenaz com a boca amarga e enquanto não escrever sobre o menino Emanuel não poderei tirar o ácido que corrói os minérios de meus dentes através de uma escovação conjunta papel e pális. É preciso que a acerbidade da vida me tome para que eu evoque o que assisti. Grandes pingos acrimânticos de molho azedo façam parte dos fatos. 

Subimos aquele morro branco cercado de riqueza, atrás lindas mansões, do lado prédios de luxo, do outro lado faculdades ricas algumas casas grandes, na frente hospitais particulares, restaurantes, concessionárias de automóveis. Cercado apenas cercado e nada mais, porque em seu centro tenebroso havia pessoas esquecidas pelo mundo dos ricos, havia uma miséria ordinária e até o céu azul lindo perdia sua limpidez e até a vida e o dia chegando ao fim alaranjado pelo pôr-do-sol que era difícil se tornava ainda mais esmagadora e aos poucos aquele mundo análogo era inesquecível em minha mente, era viscozo por minha boca.

Os casebres feitos de madeira frágeis insultavam meus olhos e o rosto humilhado da gente gritava socorro, gritavam e por mais forte que fosse o som altissonante era inescrutável já que vidros normalmente escurecidos por películas fumê eram alevantados nos carros opulentos que por lá passavam ao redor. Subimos e adentramos por aquela areia suja de esgoto devido uma mãe de vinte e três anos, que por seu estado de raiva desvairada, espancar seu quarto filho, o mais novo, loiro, sujo de fezes com apenas nove meses de vida, nascido em 2009.

Sua casa era um barraco com um compartimento, com duas portas, um fogão e uma velha senhora avó da criança esquálida que mal teve forças pra dizer à filha que bem que lhe tinha avisado sobre a violência feita ao menor, ela mexia em algumas quinquilharias sem nos encarar, abanava o carvão avermelhado sobre fogão de flandres com um leque de folhas de coqueiro, mexia e fungava com o nariz, estava chorando. Não vi cadeiras ou bancos, o chão de barro eram-lhe descanso e o pobre menino estava lá sentando quieto com as marcas arroxeadas nas costas com a boca serrada e repuxada pro canto, um leve sorriso se abriu. A mãe se entrega e confessa que tinha sido ela mesma quem tinha lhe batido devido estar com raiva.

Duas vizinhas que nos levara pra ver o estado do menino nos contaram que não era a primeira vez que ela batinha no menino, que ela já batera nos outros, que já tentara matar um afogado, que não usava drogas e nem bebia álcool, mas que fazia o que fazia sem motivos. Diziam com lagrimas rolando pelos olhos, pômulos, a voz tremula que o pobre Emanuel já defecara sangue depois da surra. As duas mulheres eram testemunhas. Contaram que o pai da criança estava no presídio e que somente ela o menino tinha ou a família do pai, mas que de nada sabiam.

Essa semana meu Deus, logo essa semana que ouvi a frase amar por amar, amar sem esperar algo em troca, amar sempre vejo a paixão pelo mal. Vejo a ira de uma fêmea contra sua cria. Vejo ódio disfarçado e dissimulado em arrependimento. Eu vi sem quer e fora eu mais uma vez quem conduzi aquela que escolhera alterar seu bem-querer.

Na delegacia imediatamente nos foi autorizado levar o menino pra ser atendido na emergência. Exames foram feitos e graças ao Deus sublime, disse a senhora que lhe carregava, os raios-x e a ultra-sonografia bendisseram que ele nada de grave tinha. Senti desde o primeiro momento que era amor que lhe faltava. As duas mulheres que foram como testemunhas levaram a criança durante todo o tempo. A pediatra confusa e incrédula relata que esse já era o segundo caso que ela recebera naquela semana. Não conseguia imaginar o porque de tanto ódio.

Retornarmos pra delegacia. Todos foram escutados. Todos assinaram. A mãe agressora seria levada a captura logo que nessa delegacia não havia espaço pra mulheres aprisionadas. Enquanto as testemunhas falavam ao escrivão eu olhava de longe a agressora com algemas num descanso próximo a sela dos presos e muito bem assisti como ela já estava feliz, pois risonha palestrava com todos aqueles homens que há dias cativos se restringem ao contato sexual fêmico*, sentia mesmo de longe a aspiração sexual dos homens e o prazer que a desnaturada sentia por ser cantada. E continuava a sorrir. 

Tudo começara as 18h00min e somente acabamos depois da 01h00min do outro dia. O menino Emanuel em momento algum dera trabalho, sempre quieto, sempre silencioso, sempre inerte e as 22h00min dormira no colo de uma das mulheres que em todos os mementos lhe passava as mãos escuras sobre sua cabeça loura e lhe mimava dizendo "venham meu querido."

Passamos em uma farmácia e compramos uma papinha e umas fraldas descartáveis.

A delegada entrou em contato com todos os órgãos responsáveis por menores violentados e todos estavam fechados naquele momento da noite. O menino ficou então com uma das senhoras tia de terceiro grau da mãe naquela noite para que de manhã os órgãos responsáveis fossem acionados. O ônibus lhes foi deixar em casa logo que já passava da 1 hora.

Eu depois de receber o termo de entrega de preso finalmente me dirigi pra casa não digo atônito, digo mais com os nervos semimortos, não sei se pelo sono ou se pela incerteza de que aquele ser pequenino tivera justiça, embora me espantasse pelo hábito de quase diariamente ver o mal e aos poucos me deixar insensível.



                                                                                            *Neologismo
 

2 comentários:

Elaine Crespo disse...

Oi Amigo!

Difícil participar tão perto destas atrocidades que acontecem no mundo.Muito se ver mais pouco se pode fazer para solucionar!
Mais não calar é a unica arma que temos e você a usa muito bem.
Parabéns pelo post e deveria escrever um livro. Assim o alcance de sua voz seria maior!

Um carnaval de paz!
Te cuida!

beijos meus
Elaine Crespo

Unknown disse...

Amigo:

Fiquei muitíssimo feliz pela tua visita ao Retalhos do Modernismo. Como costume, gosto de conhecer um pouco os diletos seguidores - e foi assim que vim até teu Blog.
Vasculhei parte substancial. Adorei.
Não pergunte o motivo da minha escolha em postar no Armar por amar... Creio que hora da madrugada me proporcionou refletir com mais calma. É, e o assunto pauta é preocupante. Creio que foi por isso.
Mas, aproveito para agradecer mais uma vez, te parabenizar pelo teu Blog e solicitar que, se for do teu interesse, estamos sempre em contato. Um dos meus emails: literalmeida @ hotmail . com
Grande abraço e:
"ESTEJA E SEJA E FIQUE FELIZ!"
Luiz de Almeida